Um
país na África é extremamente bem-sucedido no combate à Aids: Uganda.
Em vez de insistir apenas na camisinha, como fazem as organizações
internacionais, a política oficial investe na mudança de comportamento.
Desde 1986, o governo adota a política batizada de ABC: A de
abstinência, dirigida aos jovens solteiros; B de “be faithful” (seja
fiel), para os casados; C de “condom”, camisinha, para quem não seguir
as anteriores. Sim, Uganda é também o país que conta com leis odiosas de
discriminação dos homossexuais. Uma coisa não tem nada a ver com a
outra, até porque, no país, como no resto da África, a Aids se
disseminou especialmente entre os heterossexuais.
Bento 16
Em 2009, o então papa Bento 16 foi a
Camarões. Falando sobre a Aids, um flagelo naquele continente, afirmou
que a distribuição maciça de camisinhas não era o melhor programa de
combate. E disse que o problema poderia até se agravar. A estupidez
militante logo entendeu, ou fingiu entender, que Sua Santidade
contestara a eficiência do preservativo para barrar a transmissão do
vírus. Bento 16 não tratava desse assunto, mas de coisa mais ampla.
Referia-se a políticas públicas de combate à expansão da doença. Apanhou
de todo lado. De todo mundo. No Brasil, noticiou-se a coisa com ares de
escândalo. Os valentes nem mesmo investigaram os números no Brasil. A
contaminação continuava, como continua, em alta.
Quem saiu em defesa do que disse o então papa? Edward Green, uma das maiores autoridades mundiais no estudo das formas de combate à expansão da Aids. Ele é diretor do Projeto de Investigação e Prevenção da Aids (APRP,
na sigla em inglês), do Centro de Estudos sobre População e
Desenvolvimento, de Harvard. Pois bem. Green concedeu uma entrevista
sobre o tema. E o que ele disse? O PAPA ESTAVA CERTO. AS EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS CONFIRMAM O QUE DIZIA SUA SANTIDADE. Ora, como podia o papa estar certo? Vamos sonegar essa informação aos leitores!
Em entrevista aos sites National Review Online (NRO) e Ilsuodiario.net, Green
afirma que as evidências que existem apontam que a distribuição em
massa de camisinha não é eficiente para reduzir a contaminação na
África. Na verdade, ao NRO, ele afirmou que não havia uma relação consistente entre tal política e a diminuição da contaminação. Ao Ilsuodiario,
assumiu claramente a posição do papa — e, notem bem!, ele fala como
cientista, como estudioso, não como religioso: “O que nós vemos de fato é
uma associação entre o crescimento do uso da camisinha e um aumento da
Aids. Não sabemos todas as razões. Em parte, isso pode acontecer por
causa do que chamamos ‘risco compensação’ — literalmente, nas palavras
dele ao NRO: “Quando alguém usa uma tecnologia de redução de
risco, frequentemente perde o benefício (dessa redução) correndo mais
riscos do que aquele que não a usa”.
A
estupidez e a irresponsabilidade podem ter alcance mundial. Agora, a
OMS, a agência da ONU para a saúde, deu um alerta mundial sugerindo que
homossexuais masculinos passem a tomar preventivamente os coquetéis
anti-Aids. Ninguém precisa ser especialista em lógica para adivinhar o
que vai acontecer. Como disse Green, a tecnologia de redução de risco
acabará, obviamente, expondo as pessoas a mais riscos. Infelizmente, já
há quem, em razão dos coquetéis, considere a Aids apenas um mal crônico.
E isso é mentira. Ela ainda mata milhares de pessoas mundo afora, todos
os anos.
Ocorre que é mais difícil vencer uma distorção ideológica do que um vírus.
Por Reinaldo Azevedo http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/tag/aids/